Conclusões sobre Comunicação de Emergência e Radioamadorismo


Caros amigos,

Este é o artigo definitivo sobre o uso das bandas de radioamador por pessoas não autorizadas em situação de emergência.

Leia também: Emergência e Legislação.

Após vários debates sobre legislação, ética e técnica operacional, decidi reunir os principais pontos em uma única publicação para que o leitor possa encontrar, com facilidade, as respostas que procura.

Como sempre, contribuições podem ser feitas na seção comentários localizada no final desta página. O texto será atualizado quando necessário e cada mudança será informada no rodapé.

Então, vamos lá!

Ponto de partida

Toda atividade exercida no radioamadorismo tem, por objetivo, o estudo, o treino e o desenvolvimento da radiocomunicação. A resolução nº 449, de 17 de novembro de 2006, afirma que (negrito adicionado):

Art. 3º O Serviço de Radioamador é o serviço de telecomunicações de interesse restrito, destinado ao treinamento próprio, intercomunicação e investigações técnicas, levadas a efeito por amadores, devidamente autorizados, interessados na radiotécnica unicamente a título pessoal e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial.


Assim, em nosso hobby técnico-científico, a comunicação de emergência também é produto da experimentação e a exploração desse serviço depende de outorga publicada no Diário Oficial da União.


O problema

Infelizmente, muitos radioamadores inconsequentes estão colocando rádio nas mãos de pessoas sem habilitação com a promessa de contato a partir de áreas remotas em caso de acidente. Alegam que a vida deve estar sempre acima da lei - como se a lei já não existisse para preservar a vida.

Pegam carona nessa falácia os motoristas que modulam nos proibidos satélites geoestacionários da marinha norte-americana. Questionados sobre a ilegalidade, os criminosos afirmam que o SatCom, chamado de "bolinha" no Brasil, é um importante canal de socorro.

E também os jipeiros, os pilotos de parapente e os trilheiros, todos muito à vontade transmitindo sem licença em nossas bandas, acionando repetidoras para verificar a sua disponibilidade, dentre outras ações proibidas em nome de uma suposta segurança.


O que diz o regulamento

No Regulamento do Serviço de Radioamador e na atual legislação de telecomunicação não encontramos exceção.

Somente habilitados em estações licenciadas podem transmitir nas bandas do Serviço de Radioamador brasileiro e isso inclui protocolos de emergência.

Uma pessoa não habilitada só poderá transmitir na presença do radioamador titular da estação e respeitadas a ética e as disposições da legislação e normas vigentes.

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.


Riscos do uso ilegal

Não é difícil imaginar a razão para tamanha restrição. Se um operador não habilitado mal consegue utilizar o rádio em situação normal, imagine no estresse de um acidente em área remota. Não sendo radioamador, que competência tem para aferir o seu equipamento contra interferências? Como ele poderia testar e dominar os recursos disponíveis no seu rádio se não pode transmitir? Ao contar com rádio que não sabe operar, passa a acreditar que está pronto e seguro quando não está.

Na Defesa Civil ou nos grupos voluntários de resgate, a comunicação de emergência em bandas de radioamadorismo é função exclusiva do radioamador. O Decreto-Lei nº 5.628, de 29 de junho de 1943 não deixa dúvida sobre a importância do serviço prestado:

Art. 1º Os radioamadores, reservistas do Exército e de Aeronáutica, que se dedicam às comunicações rádio-elétricas experimentais de caráter privado, de que trata o art. 8º do Regulamento Geral de Radiocomunicações, anexo à Convenção Radiotelegráfica Internacional, constituem Reserva dos Serviços de Transmissões do Exército e de Radiocomunicações, da Aeronáutica.


Sobre o estado de necessidade

Uma pessoa não habilitada em situação de perigo imediato poderia recorrer ao rádio em caráter excepcional como previsto em trecho do Código Penal:

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

(...)

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

(...)

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.


Por caráter excepcional, entenda uso não premeditado. Abaixo, dois exemplos em que a transmissão é feita sem habilitação, mas a tese do estado de necessidade é plausível:

  • "Aventureiros partem rumo ao cume da montanha acompanhados por um radioamador. Portando HT homologado para evento SOTA, sob forte calor, o radioamador sofre mau súbito e desmaia durante o trajeto. Sem sinal de celular, o grupo decide pedir socorro pelo modo que lhe resta, o HT sintonizado em repetidora próxima."

  • "Um casal em viagem se depara com um carro acidentado na estrada e resolve ajudar. Sem sinal de celular, ambos percebem rádio móvel instalado no veiculo da vítima, um radioamador desfalecido, e decidem transmitir, por este equipamento, pedido de socorro, pois é o único meio disponível naquele local ermo."


Por outro lado, ficam sujeitos às sanções penais do Art.183 da Lei Geral de Telecomunicações aqueles que, apelando ao uso indiscriminado do inciso I do Art. 23 do Código Penal, fazem publicidade maliciosa de frequências de rádio não disponíveis ao público geral.

Considere também o abuso e a conveniência do termo emergência.


Solução responsável

Quem não deseja se habilitar para o Serviço de Radioamador deve buscar um canal de emergência alternativo, legal e mais simples de operar, como o Serviço de Rádio do Cidadão, a Radiocomunicação de Uso Geral ou os localizadores pessoais via satélite conhecidos como PLB, personal locator beacons, também destinados ao leigo.


Da omissão de socorro

O radioamador que atender ao chamada de emergência de operador sem habilitação deverá buscar orientação nos canais 190 da Polícia Militar ou 193 do Corpo de Bombeiros dada a possibilidade do estado de necessidade da vítima.


Conclusão

A comunicação de emergência em radioamadorismo não é canal de socorro destinado ao público e a exploração desse serviço só é permitida com a expedição de outorga. Em determinadas situações, o rádio exigirá perícia e destreza do operador habilitado.

Fazer propaganda do uso clandestino do rádio, além de perigoso, empobrece o radioamadorismo ao desestimular a formação de novos radioamadores que poderiam incrementar e qualificar o atendimento da rede de emergência.

Tendo em vista a possibilidade do estado de necessidade da vítima, atendemos ao pedido de socorro de todos, mesmo daqueles sem habilitação, mas que não nos confundam: somos a favor da punição do clandestino que planejar e fizer publicidade da sua ação, pois consideramos o uso ilegal do rádio prática de risco.

Por fim, nunca é demais repetir: Tornar-se radioamador é fazer a diferença e estar preparado para operar o rádio em cenário hostil, seja sozinho ou na presença de uma equipe multidisciplinar.


Forte 73!
Marcio Grassi Salvatti, PU2TSL.


Referências:

Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984 - Código Penal alterado
Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 - Lei Geral de Telecomunicações
Resolução nº 449, de 17 de novembro de 2006 - Regulamento do Serviço de Radioamador
Decreto-Lei nº 5.628, de 29 de junho de 1943 - Dispõe sobre o aproveitamento dos Radioamadores como reserva de Forças Armadas


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