"Liberte-se do rádio!" - O avanço do Zello no radioamadorismo brasileiro

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Não é novidade para ninguém que o aplicativo Zello se tornou endêmico no radioamadorismo brasileiro. Solução fácil e barata, a gambiarra tem sido usada para encurtar distâncias onde o rádio faria melhor serviço não fossem os obstáculos típicos do nosso país: muito imposto, pouca educação.

Não. O texto não é critica aos amigos mantenedores que utilizam o aplicativo de modo responsável. Por esses, tenho consideração. Falo da verdadeira bagunça que andam fazendo por aí ao conectar inúmeras repetidoras através do Zello.

O que todos já sabem é que o Zello não é otimizado para o radioamadorismo como o Echolink. Além de permitir clandestinos ao não exigir a identificação de cada estação transmissora, o aplicativo está sujeito a perda de sincronia frequente por não prever conexão com a radiofrequência. A BrandMeister USA proíbe o uso em seus servidores com a seguinte justificativa: "O Zello é um empreendimento comercial e não atende às necessidades ou exigências de uma estação de radioamador."

Montar um link Zello (IVG) exige pouco ou quase nenhum conhecimento. É com a utilização de celulares obsoletos e defeituosos que muitos radioamadores pretendem conectar o Brasil do Oiapoque ao Chuí não através do rádio, mas da internet. "Liberte-se do rádio!", diz a propaganda no site do aplicativo Zello, que continua: "Sem a necessidade de equipamentos especializados caros ou locações de torres!". Ora, nada pode ser mais preguiçoso do que isso.


Ponto nevrálgico

Chegou até mim um documento em que uma associação nordestina de radioamadores questiona a ANATEL sobre o licenciamento e uso de estações IVG. A paixão dessa associação pelos tais links Zello, não tratarei aqui. Praticante de atividades outdoor como montanhismo e acampamento selvagem, me interessa a comunicação de emergência em áreas remotas e a função social do radioamadorismo enquanto rede alternativa, responsiva e descentralizada. É assunto sério.

No tal documento, consta resposta que dá a ANATEL aos interesses da associação:


A respeito de possíveis irregularidades de uso, vale frisar que a caracterização de eventual descumprimento da regulamentação aplicável quando da operação de estações IVG ou qualquer outro tipo de estação deve ser objeto de fiscalização e, se for o caso, de eventual Procedimento de Apuração de Descumprimento de Obrigações.

Nesse sentido, faz-se necessário pesar o interesse local e o remoto, dadas as características inerentes às estações IVG, como potencial ocupação constante de canal por comunicados que não se aplicam ou se destinam a usuários locais, bem como das diversas finalidades de uma Estação Repetidora, que não limitam-se exclusivamente ao uso complementar ao IVG, mas também no atendimento a situações de emergência. Devendo assim restar assegurada a respectiva priorização de uso em todos os casos.


Priorização de uso em todos os casos. Entendimento semelhante tem o radioamadorismo de primeiro mundo. Por exemplo, a SARnet, Rede Estadual de Radioamador da Florida, em seu FAQ:


A SARnet é uma rede de repetidoras da Flórida cujos usuários estão aqui na Flórida (ou ao longo da fronteira do estado) e, na maioria das vezes, cientes de que falam em uma rede de comunicações em todo o estado. Sistemas como as interfaces Echolink, IRLP e Allstar permitem que radioamadores de todo o país e do mundo se conectem uns aos outros. Embora essas interfaces sejam tecnologias empolgantes, se fossem conectadas ao SARnet, elas apresentariam o potencial para que toda a rede fosse bloqueada por longos períodos de tempo por radioamadores que não têm ideia de que estão transmitindo para uma rede de repetidoras na Flórida. Vários dos mantenedores que concordaram em participar da SARnet prefeririam não ter esse tráfego em suas repetidoras locais.


Quem é da Região Sudeste conhece o problema. Menção "honrosa" a uma repetidora de Minas Gerais, antro de links Zello sem identificação e condições mínimas de funcionamento, indisponível para usuários locais e ocupada, diariamente, por quase 6 horas, com transmissões pra lá de suspeitas que se assemelham a programação de TV, com direito a vinhetas, jornal de notícias, sonoplastia e até propaganda política, verdadeira radiodifusão para a promoção de uns e outros. Nem uma alma multada ou suspensa.


Art. 35. Ao radioamador é vedado desvirtuar a natureza do serviço, assim como usar de palavras obscenas e ofensivas, não condizentes com a ética que deve nortear todos os seus comunicados.


Conclusão

É evidente que esta publicação não deseja a exclusão do Zello. Eu o tenho instalado e utilizo. Em verdade, o apelo é para o seu uso conservador por radioamadores e mantenedores de repetidoras. Exemplos de conduta não faltam. É necessária uma profunda reflexão sobre os impactos da internet e dos aplicativos em nosso meio. Que tipo de radioamadores queremos ser?

Aos que se interessam em montar um link IVG, cuide para que seja o exclusivo responsável dela, sob pena de responder pela bagunça de terceiros. Fazer parte de Rede Zello A ou B é assumir riscos desnecessários. Esteja avisado de que não tem moleza: você assume todo o conteúdo transmitido pelo seu link. Vale a pena?


Marcio Grassi Salvatti, PU2TSL.


Referências

BrandMeister USA - Zello Cross Linking (na página, clique em expand para ler a declaração)
Informe ANATEL - documento de interesse público antes disponível no sistema SEI, tornou-se sigiloso por motivos estranhos. Durante o período em que esteve acessível, uma versão em PDF foi salva para consulta.


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